Este blog destina-se ao estudioso livre, que manifesta interesse na maçonaria como fonte de estudos acadêmicos
quinta-feira, 20 de agosto de 2015
REPRESENTAÇÕES IDENTITÁRIAS DA INSTRUÇÃO ESCOLAR BRASILEIRA: A Maçonaria nos Livros Didáticos (IDENTITY REPRESENTATIONS OF THE BRAZILIAN SCHOOLING: Freemasonry in Schoolbooks).
Por
Fernando Magalhães ¹.
Resumo:
No momento em que nas escolas públicas o Programa Nacional do Livro Didático, PNLD 2012, ofereceu aos
professores a escolha do livro a ser trabalhado no ensino médio, elaboramos a leitura de 12 obras oferecidas
para esta seleção na disciplina de História. Analisamos a inserção do tema “Maçonaria” nestas obras, valendo
-nos dos recursos teóricos de Barthes (1973), Veyne (1976), Foucault (1996) e Revel (2002), sobre prazer,
constantes, sociedade de discurso e tempo social. O tema na História do Brasil é parcamente abordado nas
Conjurações Baiana e Mineira, na Independência e na “questão religiosa”. Na História Geral, nada foi encontrado.
Concluímos que a atuação da maçonaria enquanto lócus de sociabilidade e transmissão de ideias deve
ser objeto de maiores estudos históricos.
Palavras-chaves: instrução escolar; Maçonaria; livros didáticos.
Abstract:
When National Schoolbook Program 2012 - PNLD offered teachers the choice of book to be worked in
high school, We elaborated the reading of 12 schoolbooks offered for this selection in the discipline of
History. We analyze the inclusion of the topic "Freemasonry" in these schoolbooks, using the theoretical
resources of Barthes (1973), Veyne (1976), Foucault (1996) and Revel (2002), about pleasure, constant,
time of speech and social society. The theme in the history of Brazil is poorly addressed in Bahia and Minas
Gerais Conjurations, Independence and the "religious issue." In general history, nothing was found.
We conclude that the role of Freemasonry while locus of sociability and transmission of ideas should be
subject to higher historical studies.
Keywords Schooling, Freemasonry, Schoolbooks.
Introdução:
No século XVIII, com a ascensão da burguesia
e a difusão das ideias iluministas, a Maçonaria
desenvolveu-se e adquiriu prestígio na Europa.
Aliada aos movimentos liberais, marcou
presença efetiva nos grandes acontecimentos
políticos. As revoluções Gloriosa, Americana e
Francesa possuem fortes traços ideológicos e
ampla participação de maçons entre suas lideranças
(HOBSBAWN, 2012). Na América Latina,
teve papel decisivo nas lutas da independência e,
no século XIX, nas lutas dos liberais contra os
conservadores clericais, sobretudo no México,
Colômbia e Chile. Na Itália, maçons participaram
do movimento de unificação nacional
(Risorgimento) (CARVALHO, 2010). Na Suíça, a
Grande Loja Alpina defende desde 1847 os cantões
protestantes contra a oposição dos cantões
católicos (CASTELLANI, 1991). Na Bélgica e na
Espanha do século XIX, maçons combateram a
influência da Igreja. Foi na França, porém, que a
Maçonaria conquistou grande força política e de
lá se irradiou para os países latinos (LEPAGE,
1993). Seu período áureo começou depois de
1870, na III República. Infiltrada em todos os partidos
políticos de centro, esquerda e direita, a
Maçonaria francesa dedicou-se a persistentes lutas
contra a Igreja. Conseguiram a abolição do
ensino religioso nas escolas, o divórcio, a expulsão
das ordens e congregações (1902) e a separação
de estado e igreja (1905). Só após a 1ª
Guerra Mundial a influência da Maçonaria francesa
começou a declinar (COSTA, 2002). Em Portugal,
as Lojas Maçônicas difundiram o pensamento
liberal, propagaram os princípios da revolução
francesa e, como a Maçonaria francesa, combateram
as ordens religiosas e o clero.
Há evidências documentadas da presença
de maçons no Brasil desde o final do século
XVIII.2 Aqui o movimento assumiu as mesmas
posições libertadoras que manifestara nas demais
colônias americanas. A ideologia da inconfidência
mineira coincidiu, de modo geral, com a
da Maçonaria da época. Quando se iniciou o ciclo
das conspirações nordestinas, a rede de sociedades
secretas formou a base das comunica-
ções entre os núcleos de intelectuais influenciados
pelas novas ideias europeias
(ALBUQUERQUE, 1959).
Nas lutas pela independência e abolição
da escravatura, a Maçonaria passou a ser o centro
mais ativo do trabalho de propaganda emancipadora.
Sua proposta libertadora continuou até
a República. Eram maçons ativos José Bonifácio,
Gonçalves Lêdo, Caxias, os intelectuais abolicionistas,
Benjamin Constant, Rui Barbosa, Deodoro
da Fonseca e o seu ministério, além de todos os
presidentes da República Velha, dentre outros
(CASTELLANI & CARVALHO, 2009).
O Grande Oriente do Brasil, organização
maçônica mais antiga em funcionamento no território
nacional, foi regida por mais de vinte
constituições, a última das quais aprovada em 24
de junho de 1990. Há, contudo, uma profunda
distinção entre as Lojas que seguem o Rito Escocês
Antigo e Aceito, de 33 graus, que enfatiza a
existência de um Ser Supremo - o Grande Arquiteto
do Universo, com o primado do espírito sobre
a matéria, e o Rito Francês ou Moderno, de
sete graus; assumidamente laico e materialista.
Além desses, há no Grande Oriente do Brasil os
Ritos de Emulação, Schroeder, Adoniramita, Brasileiro
e Escocês Retificado. Assim sendo, não podemos
falar em “Maçonaria”, e sim, em
“Maçonarias” no Brasil.
Desde a seminal obra de Maurice Agulhon,
Pénitents et Francs-Maçons de l´Ancienne
Provence, (Fayard, Paris, 1984), estabeleceu-se no
campo historiográfico de pesquisa acadêmica
um conjunto de proposições que se dedicam a
reconstruir a pertinência de uma história política
como nível de análise; estudando grupos sociais,
como neste caso específico, a Maçonaria, através
de suas formas de sociabilidade e seu potencial
MAGALHÃES, F. REPRESENTAÇÕES IDENTITÁRIAS DA INSTRUÇÃO ESCOLAR BRASILEIRA...
² Recomendamos, dentre muitas outras obras referentes à gênese da Maçonaria no Brasil, pela sua pertinência e aprofundamento
na pesquisa documental relativa ao tema: CASTELLANI, José; CARVALHO, William A. História do Grande
Oriente do Brasil. A maçonaria na história do Brasil. São Paulo: Madras, 2009.
C&M | Brasília, Vol. 1, n.2, p. 103-115, jul/dez, 2013.
105
para a produção de novas estruturas sociais. Como
nos aponta Jacques Revel, certas noções e
práticas que, antes, eram aceitas como evidentes,
são, na contemporaneidade, objeto de um novo
exame, “que se interroga tanto sobre suas condi-
ções de possibilidade como sobre os sentidos
com que estão investidos: é o caso da história
global e da história nacional (...) reflexionadas
sobre a construção e a natureza das identidades
sociais, tanto de grupos quanto de indivíduos,
sobre a interpretação de suas trajetórias e estratégias”
(REVEL, op.cit. p. 147).
Análise de Conteúdo
A seguir, apresentamos uma análise comparativa
das obras didáticas pesquisadas. Como
se trata de material extenso, visando a não tornar
enfadonha a abordagem a doze obras em sequência,
que por vezes se repetem, buscou-se
agrupá-las em blocos comparados, de acordo
com as suas semelhanças e diferenças de abordagem
ao tema “Maçonaria”; aqui compreendida
como a constante deste nosso inventário de diferenças
(VEYNE, 1976).
Na obra de Santiago (2010), encontramos
a seguinte referência à maçonaria, como na maioria
das demais obras pesquisadas, abordada no
episódio da História do Brasil conhecido como
questão religiosa.
Em 1864, o Papa Pio IX promulgou
uma bula na qual reafirmava
a supremacia da Igreja
em todos os âmbitos da
sociedade e responsabilizava
a maçonaria por práticas que
enfraqueciam a fé católica. O
objetivo era eliminar o poder
que a instituição possuía dentro
da Igreja em todo o mundo.
Nesse sentido, a situação
no Brasil era peculiar: muitos
clérigos e o próprio imperador
eram maçons (Obs.: Equí-
voco do autor. D.Pedro II nunca
foi maçom. Seu pai, Pedro
I, sim). A posição papal acabou
gerando uma série de
incidentes, sobretudo com o
bispo de Olinda, D. Vital Maria
Gonçalves de Oliveira. Em
1872, ele proibiu a participa-
ção de clérigos na maçonaria,
ameaçando-os de expulsão da
hierarquia da Igreja.
(SANTIAGO, 2010, p. 179).
O trecho é seguido de um destaque, intitulado
“Pare e pense”, onde o autor define a Ma-
çonaria:
Ninguém sabe ao certo quando
teve início a Maçonaria.
Alguns especialistas apostam
que suas origens estão na Idade
Média, entre membros das
corporações de ofício. O certo
é que no século XVIII ela funcionava
regularmente, chegando
ao Brasil algumas dé-
cadas depois. Aqui no país
seus membros (entre eles ministros,
regentes, magistrados,
intelectuais e mesmo um imperador)
desempenharam papel
político importante.
1.Faça uma pesquisa para saber:
a). O que é a Maçonaria;
b). A atuação de seus membros
durante o século XIX no
Brasil;
c). Os principais acontecimentos
em que a instituição esteve
envolvida naquele período.
2. Faça um texto com o
título: “A Maçonaria no Brasil”.
Neste autor, apesar de verificarmos
o exíguo espaço dado a análise da participação
maçônica nos eventos históricos, observamos
uma tentativa de reflexão e aprofundamento, no
sentido da elaboração de um questionário de
apoio, onde o estudante é instigado a buscar
maiores dados a respeito da Maçonaria. De todos
MAGALHÃES, F. REPRESENTAÇÕES IDENTITÁRIAS DA INSTRUÇÃO ESCOLAR BRASILEIRA...
C&M | Brasília, Vol. 1, n.2, p. 103-115, jul/dez, 2013.
106
os livros didáticos observados, este é o único que
faz uso de tal recurso e, por isso, o apresentamos
destacado dos demais que seguem abaixo.
Na sequência, analisamos as obras de Moraes
(2010), Vicentino (2010), Campos (2010) e
Cotrim (2010). Em todas, a temática maçônica é,
também, abordada no tocante ao evento histórico
conhecido como “questão religiosa”. Podemos
observar que os trechos em muito se assemelham
entre si, no aspecto da construção e elaboração
dos eventos. No entanto, em certas
construções, podemos observar, como abaixo
assinalamos, além de erros básicos de pesquisa
historiográfica, como o que afirma ter sido D. Pedro
II um maçom, uma maior ou menor tendência
a relativizar os prejuízos políticos da Igreja,
como instituição, no desenrolar dos eventos em
pauta. As abordagens pouco se prendem às aná-
lises das estruturas políticas internacionais que
ali se apresentam, atendo-se, na maioria dos casos,
a tratar unicamente das consequências imediatas
do conflito no cenário nacional. No geral,
apontam o governo do Império como o que sai
mais prejudicado ao final do desenrolar dos
acontecimentos, ao, de certa forma, como induz
os textos, perder o apoio da instituição eclesiástica.
É curioso que, em nenhum dos trechos, parece
haver qualquer crítica no sentido de assinalar
a ingerência de uma potência estrangeira, no caso
o Vaticano, nos assuntos internos do Brasil.
O conflito mais decisivo, denominado
Questão Religiosa,
ocorreu entre 1872 e 1875, e
envolveu o bispo de Olinda,
dom Vital de Oliveira, e o bispo
do Pará, dom Antônio de
Macedo Costa. Os religiosos
posicionaram-se contra a ma-
çonaria, proibindo suas manifestações
e o ingresso de seus
membros nas igrejas católicas.
A monarquia não aceitou a
atitude rebelde e processou
os bispos, que eram funcioná-
rios do Estado, condenandoos
à prisão. Entre 1874 e 1875,
os bispos foram soltos e anistiados,
mas o fato gerou um
duplo problema para o governo,
o que colaborou para isolá
-lo um pouco mais, pois aumentou
a impopularidade do
Império e, principalmente, impulsionou
o desejo de separa-
ção entre o Estado e a Igreja.
(MORAES, 2010, p. 190).
Observando o trecho acima, perguntamonos
como o aluno vai compreender a inserção da
misteriosa entidade “Maçonaria”, sem mais nem
menos adentrando as linhas da obra.
Outrossim, o texto peca pela dubiedade
ao seu final, parecendo dar a entender que, à
Igreja, era interessante separar-se do Estado,
desconsiderando assim uma das maiores bandeiras
da maçonaria no século XIX e a razão maior
de sua luta naquele momento: a laicidade do Estado.
A bula papal que impedia
membros da maçonaria de
pertencer aos quadros da
Igreja foi rejeitada pelo imperador
– D. Pedro II, como o
pai, era maçom – que acumulara
o direito de ratificar ou
não o cumprimento das ordens
do papa no país. A maior
parte dos religiosos permaneceu
fiel ao imperador, porém
os bispos de Olinda e de Belém
preferiram acatar o papa
e expulsaram de suas dioceses
párocos ligados à maçonaria.
O imperador decidiu punir os
bispos rebeldes, processandoos
e condenando-os à prisão
com trabalhos forçados.
(VICENTINO, 2010, p.308.)
Mais uma vez, na única referência em toda
a obra à Maçonaria (mais de novecentas páginas
distribuídas em três volumes), identificamos a
repetição do mesmo erro. Farta documentação
histórica atesta que D. Pedro II preferiu não iniciar-se
na maçonaria, ao contrário do pai. EntreMAGALHÃES,
F. REPRESENTAÇÕES IDENTITÁRIAS DA INSTRUÇÃO ESCOLAR BRASILEIRA...
C&M | Brasília, Vol. 1, n.2, p. 103-115, jul/dez, 2013.
107
tanto, questionamos: Se o autor; não sabemos a
partir de quais fontes, acreditava que o próprio
imperador fosse um maçom, como deixar de
buscar um aprofundamento no entendimento do
significado deste fato? Tal dado não teria maior
relevância histórica a merecer mais do que um
parágrafo de texto?
Em Campos (2010), a menção à chamada
Questão religiosa é ainda mais superficial. Há
menção à instituição do padroado, aqui colocado,
na visão do autor, como o principal motivo
da questão, a partir da recusa de Pedro II em
aceitar as regras ditadas pela bula papal de 1864.
Os acontecimentos restantes, onde os maçons
são mencionados em apenas uma linha, são, ao
que parece, meras consequências secundárias
deste aspecto principal.
Com a Independência, o padroado
manteve-se como
atribuição dos monarcas brasileiros.
No entanto, em 1864,
o papa Pio IX condenou em
uma encíclica o que considerava
os 80 erros que o mundo
praticava contra a Igreja. Entre
eles, o poder dos Estados sobre
os documentos papais, a
subordinação do clero à administração
civil, a separação
entre Igreja e Estado, e a participação
de membros da
Igreja em sociedades secretas,
especialmente a maçonaria.
No Brasil, D.Pedro II negou-se
a aprovar a encíclica, o que,
pelas regras do padroado,
tornava-a sem validade. Os
conflitos não tardaram a surgir.
Alguns membros do clero,
como o bispo de Olinda, resolveram
seguir as recomendações
papais e expulsaram
das confrarias religiosas os
representantes maçons. Um
recurso à Coroa tornou nula a
expulsão ordenada pelo bispo,
que acabou preso em
1874. (CAMPOS, 2010, p. 226).
Mais uma vez, a menção à Maçonaria é
superficial e não há interesse em explicar ao leitor
a sua repentina inserção no contexto da obra.
Em Cotrim (2010), encontramos a mesma
esquematização de ideias apresentada pelos autores
anteriores. Há que se destacar, no entanto,
neste autor, uma preocupação maior de inserir a
temática da maçonaria no contexto da obra, a
partir da apresentação de uma definição da instituição
em um glossário definidor do termo.
Desde o período colonial, a
Igreja Católica era uma instituição
submetida ao Estado,
pelo regime do Padroado. Isso
significava, entre outras
coisas, que nenhuma ordem
do papa poderia vigorar sem
antes ter sido aprovada pelo
imperador. Em 1872, no entanto,
D. Vidal e D. Macedo,
bispos de Olinda e de Belém,
respectivamente, seguindo
ordens do papa Pio IX, puniram
religiosos ligados à ma-
çonaria. D. Pedro II, atendendo
a pedidos de grupos ma-
çônicos, solicitou aos bispos
que suspendessem as puni-
ções. Como eles se recusaram
a obedecer ao imperador, foram
condenados a quatro
anos de prisão.
GLOSSÁRIO: Maçonaria. Sociedade
antiga e parcialmente
secreta que, utilizando-se de
conhecimentos dos antigos
construtores de templos (os
maçons), tem como objetivo
principal incentivar a fraternidade
e a filantropia entre todos
os seres humanos, sem
distinção de cor, credo ou origem
social.” (COTRIM, 2010, P.
287).
Figueira (2010) e Vainfas (2010), ao conMAGALHÃES,
F. REPRESENTAÇÕES IDENTITÁRIAS DA INSTRUÇÃO ESCOLAR BRASILEIRA...
C&M | Brasília, Vol. 1, n.2, p. 103-115, jul/dez, 2013.
108
trário dos autores já mencionados, apresentam
de forma um pouco mais ampliada a Maçonaria
em duas páginas, relacionadas à Conjuração Baiana
(Figueira), à Independência do Brasil
(Vainfas) e à questão religiosa (ambos). Apesar
de dedicar espaço e relevo ao tema, Vainfas
(2010) comete um erro grave em “A Maçonaria
no Brasil” (p. 153), ao confundir o Grande Oriente
do Brasil, o poder central que reúne todas as Lojas
Maçônicas do período com uma única Loja.
Uma Loja Maçônica, denominada
Cavaleiros da Luz, funcionava
em Salvador desde julho
de 1797. Ponto de encontro
das figuras da elite da cidade,
a sociedade era o espa-
ço em que se discutiam as
ideias iluministas difundidas
pela Revolução Francesa. Entre
os frequentadores das reuniões
estavam o médico Cipriano
Barata e o tenente Hermógenes
Pantoja, integrantes
do grupo que tramava a Conjuração
Baiana. O governante
de Lisboa já havia sido alertado,
por seu representante na
Bahia, sobre a difusão preocupante
dos “abomináveis princípios
revolucionários franceses”
entre a população baiana.
(FIGUEIRA, 2010, p. 168).
De acordo com a Constituição
de 1824, a Igreja Católica estava
subordinada ao Estado,
que pagava os padres e nomeava
os bispos. Nenhuma
determinação do papa podia
entrar em vigor no Brasil sem
a aprovação do imperador.
Em 1872, os bispos de Olinda
e de Belém, dom Vidal Maria e
dom Macedo Costa, foram
presos e condenados por proibir
a participação de maçons
nas irmandades religiosas,
como recomendava o papa.
Três anos depois, os dois foram
anistiados, mas a punição
deixou claro que haviam dificuldades
incontornáveis nas
relações de dependência estabelecida
entre a Igreja e o Estado.
(FIGUEIRA, op. cit., p.
222).
Apesar da original menção de Figueira à
existência de uma loja maçônica em 1797 exercendo
influência e participando da Conjuração
Baiana, a obra não foge à regra. A Maçonaria é
introduzida sem qualquer explicação ou contextualização
no texto de forma bastante superficial,
dificultando a compreensão por parte do leitor
da efetiva participação desta instituição nos
acontecimentos em tela.
Quanto a Vainfas, o que temos é uma descrição
da origem da maçonaria no Brasil, seguida
da mesma inserção dos autores anteriores, da
maçonaria nos episódios da questão religiosa:
A Maçonaria no Brasil. A Ma-
çonaria é uma associação voluntária
e secreta que se difundiu
na primeira metade do
século XVIII, a partir da Inglaterra
para a Europa e a América.
Seu caráter secreto a envolveu
numa aura de mistério.
A partir de 1750, a associação
passou a ser um espaço de
crítica e de discussão sobre a
sociedade civil. No Brasil, a
primeira Loja Maçônica (local
de reunião dos maçons) surgiu,
comprovadamente, em
1800, na futura cidade de Niterói,
no Rio de Janeiro; era
chamada União. Logo surgiram
outras, em várias regiões.
Em 1818, um alvará proibiu o
funcionamento das Lojas Ma-
çônicas em todo o Império
luso-brasileiro, mas elas não
fecharam.
A Loja mais destacada no período
de independência foi a
Grande Oriente Brasileiro, da
MAGALHÃES, F. REPRESENTAÇÕES IDENTITÁRIAS DA INSTRUÇÃO ESCOLAR BRASILEIRA...
C&M | Brasília, Vol. 1, n.2, p. 103-115, jul/dez, 2013.
109
qual José Bonifácio de Andrada
e Silva foi Grão-Mestre
(presidente). Nela ocorreram
os debates políticos que influenciaram
a separação de Brasil
e Portugal. D. Pedro foi iniciado
na Maçonaria, recebendo
o nome de Guatimozin,
último imperador asteca. Em 4
de outubro de 1822, foi elevado
a Grão-Mestre, e logo
membros da Maçonaria propuseram
sua aclamação como
Imperador do Brasil, fato que
ocorreu em 12 de outubro.
A política do governo de D.
Pedro I em restringir a liberdade
de expressão fez com
que esse tipo de associação
fosse proibido em 1823. Mas
as reuniões prosseguiram
clandestinamente. Foram criadas
novas lojas, de tendência
tanto liberal quanto conservadora,
que funcionavam como
local de debates políticos.
Com a abdicação de D. Pedro
I, em 1831, o funcionamento
das Lojas Maçônicas foi liberado,
mas elas já não tinham o
peso político do período anterior.
Continuaram a funcionar,
mas ligadas a valores não
políticos, como a filantropia, a
beneficência, a sabedoria e a
justiça. (VAINFAS, 2010, p.
153).
À parte do já citado equívoco, ao confundir
o nome da agremiação de Lojas Maçônicas
com uma Loja única, o autor procura contextualizar
historicamente a instituição maçônica no cenário
internacional, a partir de sua origem europeia
e posterior expansão para as Américas; bem
como no cenário nacional, destacando sua importância
na construção dos eventos articuladores
do processo que culminou com a independência
nacional. No entanto, não podemos nos
furtar a destacar outra incongruência no texto
acima, quando o autor faz menção, nas linhas
finais do parágrafo, a perda do “peso político” da
instituição maçônica quando de seu retorno às
atividades, em 1831. Como esta afirmação se coaduna
com o descrito no texto seguinte a mencionar
a ordem maçônica, quando esta, em conflito
com a igreja católica, ao final do segundo reinado,
aparentemente, demonstra grande peso
político? Seria realmente sem peso político uma
instituição que possui como grão-mestre, sua
liderança maior, o próprio presidente do Conselho
de Ministros do Império?
O início da crise começou
com um discurso do padre
Almeida Martins em uma loja
maçônica no Rio de Janeiro,
em 1872, homenageando o
visconde do Rio Branco, então
presidente do Conselho de
Ministros e grão-mestre da
maçonaria pela Lei do Ventre
Livre. Na Europa, a maçonaria
era marcadamente anticlerical.
Mas, no Brasil, os eclesiásticos
faziam parte desta organiza-
ção, apesar de condenada pelo
papa Pio IX desde 1865 como
a responsável pela
“impiedade do mundo”. Além
disso, o Concílio Vaticano I
(1869) decidiu desencadear
uma grande campanha contra
a maçonaria, proibindo a participação
dos católicos, particularmente
os eclesiásticos. O
problema é que, no Brasil, diversos
padres e governantes
pertenciam à Maçonaria.
O discurso publicado na imprensa
repercutiu profundamente
entre os altos membros
da Igreja católica no Brasil.
O padre acabou suspenso
pelo bispo do Rio de Janeiro,
D. Pedro de Lacerda. A maçonaria
reagiu com dureza ao
que considerou uma interferência
da Igreja de Roma nesMAGALHÃES,
F. REPRESENTAÇÕES IDENTITÁRIAS DA INSTRUÇÃO ESCOLAR BRASILEIRA...
C&M | Brasília, Vol. 1, n.2, p. 103-115, jul/dez, 2013.
110
sa instituição por meio do bispo.
Logo depois, ainda em 1872,
outro conflito marcaria a
Questão Religiosa. O jovem
bispo D. Vital Maria Gonçalves
de Oliveira, da cidade de Olinda,
seguindo orientação de
Roma, proibiu a participação
de eclesiásticos em lojas ma-
çônicas. Criou um jornal, A
União, para combater a maçonaria
no Brasil, interditou duas
paróquias que se recusavam a
expulsar os maçons e suspendeu
o deão da catedral, simpatizante
da maçonaria e líder
do Partido Liberal em Pernambuco.
Em reação, a tipografia
do jornal A União foi
saqueada e um sacerdote
morto a facadas.
As bulas papais a respeito da
Maçonaria não haviam recebido
a aprovação do imperador
D. Pedro II. Portanto, sua aplicação
era ilegal.
A Coroa tentou em vão acalmar
os ânimos, pedindo a D.
Vital que revogasse suas interdições.
O bispo manteve-se
irredutível, alegando que somente
devia obediência ao
papa. Foi preso e condenado
a quatro anos de trabalhos
forçados, em 1874. O mesmo
destino foi dado ao bispo do
Pará, D. Antonio de Macedo
Costa, solidário ao colega de
Olinda e também empenhado
em combater os maçons. Ambos
foram anistiados em
1875, graças a pressões de
Roma e à intervenção do Duque
de Caxias, então chefe do
gabinete conservador que governava
o Império. Mas as relações
entre o império e a
Igreja católica estavam definitivamente
comprometidas. Ao
sair da prisão, D. Antonio resumiu
as consequências da
crise dizendo que a Questão
Religiosa abalara o trono, mas
deixara o altar de pé. O bispo
estava certo. (VAINFAS, 2010,
p. 292).
Cremos ser um tanto equivocado, para
não dizer incorreto, em um livro didático, o autor
emitir em seu texto, juízos de opinião do tipo
“certo” ou “errado”, em relação a acontecimentos
históricos. Infração ao ritual
3
(FOUCAULT, 1996)
da escrita didática, inscrita em certos sistemas de
restrição que regulam a forma e a ordem do discurso.
Neste caso, ao afirmar que “o bispo estava
certo” temos um posicionamento nesta área que
não se coaduna com a proposta de um livro didático.
Alguns autores se debruçam sobre a ma-
çonaria no Brasil inserindo-a em outros acontecimentos
que não a questão religiosa especificamente.
Curioso de assinalar é que, nestas demais
obras, a referida questão não é associada à ordem
maçônica, e sua influência no episódio não
é reconhecida. Enfim, quando se trabalha com o
tema maçônico em um determinado episódio
histórico, apaga-se sua participação em outro,
assinalado por outro autor.
Na sequência, portanto, apresentamos as
inserções de Pellegrini (2010), Berutti (2010),
Azevedo (2010), Nogueira (2010) e Alves (2010).
Sobre o conflito de interesses diante da
MAGALHÃES, F. REPRESENTAÇÕES IDENTITÁRIAS DA INSTRUÇÃO ESCOLAR BRASILEIRA...
3
A troca e a comunicação são figuras positivas que atuam no interior de sistemas complexos de restrição; e sem dúvida
não poderiam funcionar sem estes. A forma mais superficial e visível desses sistemas de restrição é constituída pelo que
se pode agrupar sob o nome de ritual; o ritual define a qualificação que devem possuir os indivíduos que falam (e que,
no jogo de um diálogo, de interrogação, da recitação, devem ocupar determinada posição e formular determinado tipo
de enunciado; define os gestos, os comportamentos, as circunstâncias, e todo o conjunto de signos que devem
acompanhar o discurso; fixa, enfim, a eficácia suposta ou imposta das palavras, seu efeito sobre aqueles aos quais se
dirigem, os limites de seu valor de coerção.” (FOUCAULT, 1996, p. 38-39).
C&M | Brasília, Vol. 1, n.2, p. 103-115, jul/dez, 2013.
111
permanência de D. Pedro no Brasil, assinala-nos
Pellegrini a influência da ordem maçônica na formação,
constituição, desenvolvimento e atuação
do Partido Brasileiro, força política de acentuada
influência no período em questão, assinalando a
influência da maçonaria na passagem da Colônia
ao Império:
O partido brasileiro, por sua
vez, tinha uma formação diversificada,
que incluía grandes
proprietários rurais, políticos
conservadores, liberais
radicais, republicanos, membros
das camadas médias urbanas,
ex-escravos e, também,
vários portugueses estabelecidos
no Brasil. Muitas dessas
pessoas eram adeptas da Ma-
çonaria. Os grupos que formavam
o partido brasileiro
uniram-se para combater a
proposta de recolonização
feita pelos deputados portugueses.
(PELLEGRINI, 2010, p.
238).
Na mesma página, há um destaque, com
ilustração, explicando o que é a Maçonaria:
Não existe um consenso sobre
a origem da Maçonaria.
Muitos estudiosos acreditam,
porém, que ela tenha surgido
durante a Idade Média, nas
corporações de ofício que
agrupavam pedreiros e arquitetos
(maçon, em francês arcaico,
significa “construtor”),
os quais mantinham em segredo
as técnicas de seu ofí-
cio. No século XVIII, os ma-
çons passaram a participar
ativamente da política, criticando
o Absolutismo monárquico
por meio da defesa dos
ideais liberais inspirados pelo
Iluminismo. No Brasil, o primeiro
registro de uma loja
maçônica, como são chamados
os núcleos maçônicos, é
de 1801, no Rio de Janeiro.
No século XIX eles tiveram um
importante papel na Independência
do Brasil, combatendo
o Absolutismo e o colonialismo.
Foi nas lojas maçônicas
que aconteceram os principais
debates entre os líderes do
partido brasileiro, mobilizando
as forças políticas responsáveis
pela Independência do
Brasil. (PELEGRINNI, op. cit,
ibid)
Apesar de correto, o texto parece
“descolado” do restante da obra, por apresentar
uma noção bem maior da importância da Maçonaria,
do que no restante do livro, onde nada
mais é mencionado à respeito da ordem maçônica.
Em outra obra, o autor Flávio Berutti insere
a maçonaria em um outro evento, até então
não assinalado por qualquer dos autores anteriores,
a conjuração mineira, demonstrando através
da elaboração da bandeira daquele movimento,
e posterior pavilhão do Estado de Minas Gerais, a
influência do movimento maçônico naquele episódio:
p. 169. Para alguns estudiosos,
o triângulo da bandeira
da Conjuração Mineira representaria
a Santíssima Trindade
ou seria uma referência à Ma-
çonaria. Originalmente, a cor
do triângulo era verde. Mais
tarde, quando se criou a bandeira
do estado de Minas Gerais,
optou-se pela cor vermelha,
que simbolizaria as revoluções
e o sangue dos mártires.
(BERUTTI, 2010, p. 169).
Nesta obra, nem a independência nem a
MAGALHÃES, F. REPRESENTAÇÕES IDENTITÁRIAS DA INSTRUÇÃO ESCOLAR BRASILEIRA...
C&M | Brasília, Vol. 1, n.2, p. 103-115, jul/dez, 2013.
112
questão religiosa retratam a Maçonaria. A única
referência em todo o texto é feita quando da
descrição do símbolo da conjuração mineira, que
daria origem à bandeira do Estado de Minas Gerais.
Ainda assim, é colocada uma certa dúvida
quanto à origem maçônica da inspiração do desenho
da bandeira, que poderia, também, ser de
inspiração cristã, ficando no ar a dúvida sobre a
efetiva influência da maçonaria nos episódios ali
abordados.
Já em Azevedo (2010) encontramos outra
referência à influência da maçonaria na história
brasileira: A conjuração baiana. Citando maçons
de influência política expressiva no período, o
autor assinala também, paralelamente, uma das
possíveis origens históricas da maçonaria em
nosso país:
Em meio a essa tensa situação
social e política (A Conjuração
Baiana), em novembro de
1796 chegou a Salvador o capitão
Antoine René Larcher,
que participara da Revolução
Francesa de 1789. Durante o
tempo em que permaneceu
na Bahia, Larcher divulgou
intensamente os princípios
iluministas, propagando os
ideais de liberdade, igualdade
e fraternidade. Simpatizantes
dessas ideias passaram a se
reunir com frequência nos arrabaldes
da capital baiana.
Desses encontros participavam
inicialmente pessoas ligadas
à elite, como o médico
Cipriano Barata, o padre Francisco
Agostinho Gomes e senhores
de engenho da região
do Recôncavo. Em 1797, alguns
desses membros da elite
criaram em Salvador uma sociedade
secreta conhecida
como Cavaleiros da Luz, empenhada
em organizar um
movimento republicano na
Bahia. Para alguns historiadores,
esse grupo seria o embrião
de uma das primeiras
lojas maçônicas do Brasil (veja
a seção enquanto isso...).
(AZEVEDO, 2010, p. 237).
No trecho a seguir, o mesmo autor faz
menção a um dos conflitos internos da maçonaria
no século XIX mais importantes, no sentido
do delineamento da atuação maçônica naquele
período. Realmente, através da leitura dos conflitos
estabelecidos entre as correntes políticoideológicas
dos dois mais expressivos líderes
maçônicos de então, José Bonifácio e Gonçalves
Lêdo, pode-se elaborar uma compreensão bem
mais aprofundada dos eventos e acontecimentos
que conformaram o processo de independência
do Brasil. Infelizmente, apesar da menção ao fato,
o aprofundamento do debate entre estes dois
importantes personagens históricos não se fez.
p. 261. Essa questão (A Independência
do Brasil) vinha
sendo discutida nas lojas ma-
çônicas e passou a ser debatida
também nos jornais. O debate
deu origem a duas correntes
de opinião: a de José
Bonifácio, que propunha uma
autonomia sem ruptura com
Portugal; e a de Gonçalves
Lêdo, proprietário do Jornal
Revérbero Constitucional Fluminense,
que defendia o rompimento
com Portugal.
(AZEVEDO, op. cit. p. 261).
De todo modo, das obras até aqui analisadas,
esta é a que mais coerentemente apresenta
a Maçonaria em seu texto, fazendo menção, ainda
que superficialmente, à participação maçônica
em alguns dos eventos revolucionários brasileiros,
assinalando as correntes de pensamento díspares
que conformavam a atuação maçônica no
período e procurando dar uma visão do pensamento
maçônico em sua ligação com o Iluminismo.
Por fim, há de se destacar a inserção de um
box ilustrado, na página 240 da mesma obra,
MAGALHÃES, F. REPRESENTAÇÕES IDENTITÁRIAS DA INSTRUÇÃO ESCOLAR BRASILEIRA...
C&M | Brasília, Vol. 1, n.2, p. 103-115, jul/dez, 2013.
113
que, ao lado de uma ilustração representando
uma iniciação maçônica no século XVIII, reporta
um pouco do simbolismo e ritualística próprias
daquela instituição.
Outro autor, outra referência. Em Nogueira
(2010) encontramos esta única e curiosa associação
entre as ordens maçônica e carbonária.
Curiosamente, o autor parece utilizar a citação à
maçonaria apenas com o intuito de melhor explicar
o que seria a carbonária, seu objeto maior de
interesse:
A semelhança entre a Maçonaria
e a Carbonária incluía o
aspecto espiritual e o político,
pois ambas combatiam a intolerância
religiosa e o Absolutismo.
Os carbonários inspiravam-se
nos ideais iluministas
e na Revolução Francesa; seu
lema era “Liberdade, Igualdade,
Fraternidade”. Embora a
Igreja Católica fosse um de
seus inimigos, eles tinham um
padroeiro, São Teobaldo.
Além da Itália, a sociedade
secreta dos carbonários também
atuou na França, na Espanha
e em Portugal.
(NOGUEIRA, 2010, p. 287).
Nesta obra, há certa confusão entre a carbonária
e a maçonaria por parte do autor. Conflito
este explicitado na afirmação de que esta sociedade
atuou em vários países, sendo a carbonária
uma sociedade revolucionária essencialmente
italiana. Outros aspectos que geram confusão:
Em outra parte do texto, que ocupa uma
página inteira da obra, Garibaldi, o “herói de dois
continentes”, é citado como carbonário, fato esse
que não pode ser questionado, já que há considerável
documentação na historiografia italiana
que comprova o fato. Entretanto, o que o texto
não cita, e seria mais relevante de mencionar em
um livro que se dedica a explicar a história do
Brasil, é que Giussepe Garibaldi também era ma-
çom, já que fora iniciado em Loja do Rio Grande
do Sul, quando por aqui esteve. Por fim, um último
equívoco por parte do autor não pode deixar
de ser mencionado: na ilustração que se apresenta
à mesma página 287, o símbolo representado
na página, o Compasso, é maçônico, e não
carbonário. Esta última baseava sua simbologia
não em instrumentos ligados à arquitetura, como
os maçons, e sim em instrumentos ligados às florestas
e às pedras, como o carvão e algumas espécies
da flora das florestas europeias.
Encerrando esta compilação de obras didáticas,
deixamos para o final o comentário a
respeito da obra de Alexandre Alves (2010), apenas
para deixar assinalado que, quanto a este autor,
nada foi encontrado nos três volumes que
compõem a coleção didática de sua autoria. Não
há qualquer referência à Maçonaria em toda a
coleção analisada.
Considerações finais: Foucault e a ordem do
discurso.
Todo sistema de educação é
uma maneira política de manter
ou de modificar a apropriação
dos discursos, com os
saberes e os poderes que eles
trazem consigo. (FOUCAULT,
1996, p. 44).
Michel Foucault nos alerta para a constru-
ção de uma ordem do discurso, criada no âmbito
da escrita e da construção dos sentidos desta.
Analisando as obras didáticas aqui apresentadas,
percebemos que uma interdição se manifesta. Ao
suprimir da escrita da história a instituição maçô-
nica enquanto lócus de atuação de forças políticas
em diversos momentos da história nacional,
ocorre um apagamento do entendimento político,
na acepção original do termo, enquanto assunto
da polis, através de um sistema de exclusão.
Há que se manifestar, nesse sentido, uma
vontade de verdade que assume a tarefa de resgatar
dos porões da História a maçonaria enquanto
sociedade de discurso (op.cit. p. 40), elaMAGALHÃES,
F. REPRESENTAÇÕES IDENTITÁRIAS DA INSTRUÇÃO ESCOLAR BRASILEIRA...
C&M | Brasília, Vol. 1, n.2, p. 103-115, jul/dez, 2013.
114
boradora de doutrinas transformadoras do social
em que historicamente se insere. A Educação é o
instrumento pelo qual todo indivíduo pode ter
acesso a qualquer tipo de discurso, rompendo
com o que permite e o que impede o acesso ao
que a sociedade entende como “o secreto”, o
murmúrio das coisas ditas à meia-voz (op.cit. p.
76).
Tentamos aqui realizar uma reflexão sobre
a ciência histórica, visando explicitar seus pressupostos
didáticos. Por outro lado, a Didática da
História, ao se afastar do processo de pedagogização
do ensino e se vincular à Ciência da Histó-
ria, entende o ensino de História como o processo
pelo qual se busca ampliar e complexizar o
pensar histórico humano. Ela se volta, assim, para
os conceitos epistemológicos da História da Educação
e para as reflexões sobre a práxis historiográfica,
visando ampliar a capacidade dos homens
de compreender e explicar, de algum modo,
historicamente, a sociedade em que vive.
Enfim, o que se objetivou neste trabalho foi o
resgate da participação da instituição maçônica
nesta sociedade, com vista a melhor compreender
seus acontecimentos históricos. Afinal:
os discursos não podem ser
aceitos senão quando providos
da função autor (...) De onde
ele vem, quem o escreveu, em
que data, em que circunstâncias
ou a partir de que projeto.
O sentido que lhe é dado, o
status ou o valor que nele se
reconhece depende da maneira
com que se responde a essas
questões. (FOUCAULT, 2001,
p.276).
Encerramos este trabalho não com uma
conclusão, mas com uma proposta aos futuros
autores didáticos. Consideramos que essa articulação
envolve também uma tarefa política situada
no campo das relações entre escola e universidade,
que poderá ser objeto, inclusive, das discussões
a serem travadas no futuro. Citando Roland
Barthes, em O prazer do texto, propomos
aqui uma ideia: “Ideia de um livro no qual estaria
entrançada, tecida, da maneira mais pessoal, a
relação de todas as fruições: as da “vida” e as do
texto, no qual uma mesma anamnese captaria a
leitura e a aventura.” (BARTHES, 1973, p. 176).
Este hipotético livro deveria ter a pretensão,
utópica, reconhecemos em princípio, de
abarcar os projetos dos diversos grupos, dentre
os quais também se insere a maçonaria, que se
constituíram na busca pela construção de um novo
imaginário social em suas épocas, resgatando
uma história “viva” que está, ainda, se escrevendo.
Neste percurso, que fique claro, não se propugna
pela elaboração de uma história totalizante,
mas sim, posicionamo-nos contra o apagamento
de uma fatia relevante para o entendimento
dos motores da história humana. A busca
deste entendimento pode ser caminho profícuo
para o intento de compreender o movimento das
políticas educacionais e os engendramentos que
acusam as permanências e as transformações,
que forjam práticas, trajetórias e sujeitos no tempo
e espaço historicamente determinados.
Em prol deste entendimento didático melhor
elaborado, encerramos com uma reflexão
final, ao “estilo maçônico”, de Roland Barthes:
Na cena do texto não existe
ribalta; não há por detrás do
texto ninguém ativo (o escritor)
nem diante dele ninguém
passivo (o leitor); não há um
sujeito e um objeto. O texto
prescreve as atitudes gramaticais:
é o olho indiferenciado
de que fala um autor excessivo,
Angelus Silésius: “O olho
com que eu vejo Deus é o
mesmo olho com que ele me
vê. (op. cit., p. 140).
Referências Bibliográficas.
AGULHON, Maurice, Pénitents et Francs-Maçons de
l´Ancienne Provence, Fayard, Paris, 1984.
ALBUQUERQUE, A. Tenório. A maçonaria e a grandeza
MAGALHÃES, F. REPRESENTAÇÕES IDENTITÁRIAS DA INSTRUÇÃO ESCOLAR BRASILEIRA...
C&M | Brasília, Vol. 1, n.2, p. 103-115, jul/dez, 2013.
115
do Brasil. Rio de Janeiro, Ed. Espiritualista, 1959.
ALVES, Alexandre. Conexões com a História. 1ª Ed.,
SP, Moderna, 2010. 3 Vol.
AZEVEDO, Gislane Campos. História em movimento.
1ª Ed., SP, Ática, 2010.
BARATA, Alexandre Mansur, Maçonaria, sociabilidade
ilustrada e independência do Brasil (1790-1822). Juiz
de Fora, UFJF, 2006.
BARTHES, Roland. 1973. O Prazer do Texto. SP: Perspectiva.
BERUTTI, Flávio. Caminhos do Homem. Curitiba, PR,
Base, 2010. 3 Vol.
CAMPOS, Flávio de. A escrita da história. SP, Escala,
2010. 3 Vol.
CARVALHO, William A. Maçonaria, tráfico de escravos
e o Banco do Brasil. São Paulo, Madras, 2010.
CASTELLANI, José. Manual do Rito Moderno. São Paulo,
Gazeta Maçônica, 1991.
CASTELLANI, José e CARVALHO, William A. História
do Grande Oriente do Brasil. A maçonaria na história
do Brasil. São Paulo, Madras, 2009.
COSTA, Frederico G. Ensaios maçônicos. Vol. 1. Londrina,
A Trolha, 2002.
COTRIM, Gilberto. História global. 1ª Ed., SP, Saraiva,
2010. 3 Vol.
FIGUEIRA, Divalte Garcia. História em foco. SP, Ática,
2010. 3 Vol.
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. SP, Loyola,
1996.
_________________ . Estética: literatura e pintura, música
e cinema. RJ, Forense, 2001.
Guia de livros didáticos. PNLD 2012. História. Brasília,
Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica,
2011.
HOBSBAWN, Eric. A era das revoluções (1789-1848).
Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2012, 25ª ed.
LEPAGE, Marius. História e doutrina da francomaçonaria.
São Paulo, Pensamento, 1993.
MORAES, José Geraldo Vinci de. História: Geral e Brasil.
Ensino Médio. 1ª Ed., SP, Saraiva, 2010.
MOREL, Marco e SOUZA, Françoise Jean de Oliveira. O
poder da maçonaria. A história de uma sociedade secreta
no Brasil. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2008.
NOGUEIRA, Fausto Henrique Gomes. História Ser.
¹ Fernando da Silva Magalhães tem Doutorado em Educação pela UERJ (2013), Mestrado em Educação pela UFRJ (2009),
e bacharelado e licenciatura em História pela UFRJ (1990). É o atual Venerável Mestre da Loja Maçônica União e Tranquilidade.
No. 002 - GOB. E-mail: magallegal@ibest.com.br -
C&M | Brasília, Vol. 1, n.2, p. 103-115, jul/dez, 2013.
Fonte: Revista Ciência & Maçonaria. acesso em http://www.cienciaemaconaria.com.br/index.php/cem/article/view/15/13
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário